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Sustação de Protesto: Processo Cautelar ou Tutela Antecipada
SUSTAÇÃO DE PROTESTO:
PROCESSO CAUTELAR OU TUTELA ANTECIPADA?
Por Hugo de Figueiredo Moutinho
O tema me foi apresentado, no primeiro semestre de 2003, e, depois de muita reflexão sobre o mesmo, alterei meu posicionamento a seu respeito, não por exigências do trabalho, mas sim pelo meu aprofundamento no estudo da tutela antecipada e do processo cautelar, que me levaram, enfrentando a doutrina nacional, a acreditar que estamos diante de um caso de tutela antecipada, e não de um processo cautelar, como tem sido tratada a matéria até a presente data.
Primeiramente, devemos estudar um pouco da estrutura do protesto, o que ele é, qual o seu objetivo, e porque se pede a sustação do mesmo nas ações cautelares. Depois, devemos verificar os institutos do processo cautelar e da tutela antecipada, fazendo as devidas diferenças, para, só então, explanarmos o nosso posicionamento sobre o tema.
1. Protesto e Sustação
Ensina o ilustre mestre Humberto Theodoro Júnior:
“O protesto cambiário é, na verdade, ato extrajudicial, solene, cujo processamento se dá perante Oficial Público, independentemente de intervenção de advogado, e cujo objetivo principal é assegurar o exercício de certos direitos cambiários.
Consiste essa medida na documentação solene ou formal da apresentação do título ao devedor, feita através do Oficial Público, para comprovar a falta de pagamento ou aceite, total ou parcial, e, assim, assegurar o exercício dos direitos cambiários regressivos contra coobrigados, ou do direito de ajuizar o pedido de falência do devedor comerciante (protesto necessário), ou, ainda, apenas para obter prova especial e solene da ocorrência (protesto facultativo)”. (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2. 39. ed, Forense, 2006, p. 647).
O protesto, então, é um procedimento de caráter administrativo extrajudicial destinado a comprovar o inadimplemento do devedor, tendo em vista que o mesmo deixou de cumprir a sua prestação. Ou, como afirma Luiz Rodrigues Wambier, “a finalidade do protesto é, grosso modo, a de caracterizar o não pagamento”, (Curso Avançado de Processo Civil, 5. ed., RT: 2003, p.124).
Com o protesto, o credor produz uma prova contra o devedor de que este não cumpriu a sua obrigação. Assim, o mesmo pode executar a dívida de forma mais fácil, caso o devedor não a pague.
A sustação do protesto, por sua vez, é a suspensão do protesto, ou seja, a interrupção do mesmo, sua paralisação.
Com a sustação o protesto deixa de produzir efeitos na órbita jurídica, ou seja, cessam os efeitos do mesmo.
Destina-se a sustação a impedir os efeitos nefastos que um protesto injusto causaria no nome da pessoa protestada, como, por exemplo, a restrição no crédito.
2. Processo Cautelar
É sabido de todos que o processo se divide em três tipos: processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar.
O processo de conhecimento se destina a proferir uma sentença de mérito reconhecendo o direito de uma das partes em relação à outra, que deve se conformar com a situação. Nele, há um processo cognitivo, de investigação, analisando as várias provas juntadas aos autos, bem como a aplicação das normas jurídicas para o deslinde do caso concreto.
O processo de execução, por sua vez, se destina a dar aplicação prática ao mandamento proferido no processo de conhecimento, ou, em documentos que a ordem jurídica atribui a característica de certeza e liquidez, denominados títulos executivos extrajudiciais.
Já o processo cautelar, que muitos autores afirmam ser o “instrumento do instrumento”, se destina a garantir o processo principal, ou seja, serve como um instrumento para que o processo de conhecimento ou o processo de execução sejam efetivamente concluídos de forma a não trazer prejuízo para nenhuma das partes. Destina-se, portanto, a preservar uma das partes para que o processo principal não se torne ineficaz.
Por ser um processo destinado apenas a garantir a eficácia de outro, dito principal, o processo cautelar não pode ter cunho satisfativo, ou seja, não pode adiantar efeitos que adviriam da sentença.
A satisfatividade, no presente caso, não se refere ao nomem juris da ação cautelar com a ação principal, mas sim que, com a ação cautelar se consiga um resultado que se obteria no processo principal caso o mesmo fosse julgado de forma favorável ao autor da ação cautelar.
Deste modo, como o processo cautelar não se destina a antecipar a prestação jurisdicional, o mesmo não possui satisfatividade.
Afora isso, o processo cautelar só existe na medida em que há um perigo ameaçando o processo principal, de modo que esse se torne ineficaz quanto no momento da prolação da sentença.
O perigo, aqui, é de dano irreparável ao processo principal de que esse não consiga cumprir o seu papel na solução da lide.
3. Tutela Antecipada
Ocorre que muitas vezes, o processo cautelar não é o bastante para preservar a situação fática de modo a não prejudicar uma das partes, uma vez que, muitas vezes, para que a parte que está requerendo a medida de urgência, há a necessidade de que se forneça ao mesmo os resultados que apenas conseguiria no processo principal.
Dessa necessidade de se preservar não só o processo, mas, também, a própria situação jurídica que gira em torno do objeto posto em litígio, surgiu a tutela antecipada, que nada mais é que uma tutela de urgência, onde o juiz antecipa, ou seja, adianta efeitos que seriam dados no momento da prolação da sentença do processo principal.
Conforme leciona Humberto Theodoro Júnior, a tutela antecipada é:
“... a possibilidade de o juiz conceder ao autor (ou ao réu, nas ações dúplices) um provimento imediato que, provisoriamente, lhe assegure o bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada como objeto da relação jurídica envolvida no litígio”. (op. cit. p. 674).
Do mesmo sentir é a opinião de Nelson Nery Júnior, in verbis:
“... providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos”. (Código de Processo Civil Anotado, 3.ed. RT, 1997 ,p. 546).
Exatamente porque concede efeitos que apenas seriam possíveis no processo principal é que a tutela antecipada possui caráter satisfativo.
Por isso, ressalta Kazuo Watanabe:
“A tutela antecipatória é satisfativa, parcial ou totalmente, da própria tutela postulada na ação de conhecimento. A satisfação se dá através do adiantamento dos efeitos do provimento postulado. Já na tutela cautelar, segundo a doutrina dominante, há apenas a concessão de medidas cautelares que, diante da situação objetiva de perigo, procuram preservar as provas ou assegurar a frutuosidade do provimento da ação principal. Não é dotado, assim, de caráter satisfativo”. (Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não-Fazer – arts. 273 e 461 do CPC, in Sálvio de Figueiredo Teixeira, Reforma do Código de Processo Civil, Saraiva, 1996, p. 38).
Da lição exposta, nós podemos observar que a tutela antecipada pode ser concedida total ou parcialmente. Ou seja, “a medida antecipada pode corresponder à satisfação integral do pedido ou apenas de parte daquilo que se espera alcançar com a futura sentença de mérito” (Humberto Theodoro Júnior, ob. cit. p. 678).
Ensina o insigne mestre José Carlos Barbosa Moreira que na generalidade dos casos:
“... precisa o autor aguardar a prolação da sentença para obter, caso se lhe reconheça fundamento à pretensão, a tutela jurisdicional pleiteada. A seu requerimento, contudo, e presentes certos pressupostos, pode o juiz, nos termos do art. 273 e seus parágrafos (na redação da Lei 8.952), antecipar, total ou parcialmente, os efeitos dessa tutela (por exemplo: suspender a eficácia do ato cuja anulação se pede)”. (O Novo Processo Civil Brasileiro, 19. ed. Forense, 1997, p. 87).
A tutela antecipada, então, é a medida de urgência destinada a adiantar total ou parcialmente os efeitos que a parte que a pede alcançaria com a sentença de mérito proferida no processo, tendo em vista que sem a mesma não seria possível dar eficácia ao processo.
Um dos requisitos para que a mesma seja concedida é o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.
Receio fundado é o aquele que se origina de dados concretos, reais, bem como seja objeto de prova capaz de autorizar o juízo de verossimilhança. O “justificado receio” não é de dano, mas sim o receio de que o ato ilícito possa vir a ser praticado, bem como possa prosseguir ou se repetir. O dano irreparável será aquele que, uma vez não concedida a medida quando requerida, no momento em que o Estado-Juiz conceder o provimento jurisdicional não puder este ser aplicado na prática.
Por sua vez, o dano será de difícil reparação quando, uma vez não concedida a medida, as situações do caso concreto levarem a crer que o provimento jurisdicional pedido no processo não possam mais ser aplicado na prática quando no final do mesmo. A linha entre os dois casos é muito tênue, mas enquanto no dano irreparável este não possui nenhuma chance de aplicação para o provimento jurisdicional requerido, no dano de difícil reparação, este pode vir a ser aplicado quando proferido, embora a situação do caso concreto leve a crer que tal possibilidade seja muito remota.
4. Sustação de Protesto como Tutela Antecipada
A sentença de mérito, quando é proferida, possui o condão de produzir, dentro do mundo jurídico, efeitos modificadores na relação jurídica existente entre as partes que demandaram entre si.
Esses efeitos podem ser diretos ou indiretos, estes ocasionados pela produção daqueles.
No caso em que estamos discutindo, qual seja, a anulação do título ou a sua inexigibilidade, e a medida de sustação de protesto destinada a preservar tal situação jurídica até a decisão definitiva, podemos verificar que com a anulação do título ou a decretação de que o mesmo ainda não é exigível, qualquer situação que tenha se originado dos presentes casos deixa de existir para o mundo jurídico.
Por exemplo, no caso específico em que o título executivo é anulado, porque o mesmo foi embasa em um contrato que foi desfeito antes da feitura do título, o mesmo é um título sem qualquer fundamento na realidade fática, pois não possui nada que o sustente. Assim, tal título, nulo em sua constituição, deixa de existir no mundo jurídico.
Se o mesmo inexiste para a ordem jurídica, o protesto, que é o modo de se comprovar o não pagamento do título, também deixa de existir, pois tem como fundamento para a sua validade o título. Destarte, um dos efeitos da sentença de anulação do título é o cancelamento do protesto, tornando o mesmo sem qualquer efeito. O protesto, neste caso, também seria nulo, sendo este decretado na ação principal.
Assim, ao se conceder a sustação do protesto, nós estaríamos adiantando um efeito que se conseguiria com a sentença de mérito, efeito este indireto, haja vista que derivou do efeito direto que é a anulação do título.
Ou seja, com a sustação do protesto, adianta-se um efeito que a parte conseguiria com a sentença de mérito.
Tal fato, também é verdadeiro no caso de inexigibilidade do título. Vamos supor que o referido título não tivesse vencido. Neste caso, com a decretação de que o mesmo não venceu, o protesto, que como dito, destina-se a comprovar o não pagamento da dívida, perde a sua essência, pois que deriva do fato de que a dívida já pode ser cobrada. Portanto, nulo em sua origem, deverá, como anteriormente explanado, ser cancelado.
Assim, por ter caráter satisfativo, já que se destina a atender um dos objetivos que a parte possui com a sentença de mérito, a sustação de protesto é um caso de tutela antecipada e não de processo cautelar, devendo se reger pelos mesmos pressupostos e requisitos que os demais casos de tutela antecipada.
Afora isso, deve-se ressaltar, ainda, que não há nenhum perigo para que o processo principal alcance o seu objetivo, caso o mesmo seja deferido. O processo cautelar, como dito anteriormente, destina-se a servir de instrumento ao processo principal, preservando situações que poderiam impedir a aplicação do provimento jurisdicional ao caso concreto.
Esse perigo, no caso em tela, inexiste, pois tanto faz sustar o protesto agora como depois, pois dano algum trará ao processo principal.
No que tange a antecipação da tutela, na mesma o perigo se reveste na produção de resultados que podem causar um prejuízo não apenas ao processo, mas sim a parte. Ora, um protesto indevido obviamente que levará a produção de danos a parte protestada, pois significará restrições ao crédito, bem como constrangimentos gerados por este fato, abalando, inclusive, sua moral.
Neste caso, nós estaremos diante de um perigo que deve ser tutelado antecipadamente, pois interfere no objetivo final do processo, causando um “dano irreparável ou de difícil reparação”.
Destarte, a “Sustação de Protesto” deve ser considerada uma medida de tutela antecipada e não uma ação cautelar.
Bom Jesus do Itabapoana, 25 de janeiro de 2008.
Hugo de Figueiredo Moutinho
Advogado
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Campos/RJ.
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