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Breves comentários sobre a emenda constitucional nº 55

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 55


Por Hugo de Figueiredo Moutinho



                                                Nossa Constituição Federal tem passado por muitas mudanças desde a sua edição. Apesar de ser bem mais nova que a Constituição Norte-Americana, nossa lei maior teve mais modificações que ela. Muitas alterações são bem-vindas, outras, no entanto, não deveriam ter sido feitas. A sorte dos brasileiros é que os direitos fundamentais estão resguardados, proibindo-se qualquer discussão de projeto de emenda tendente a aboli-los. Dentro da nossa Constituição Federal uma das partes que tem sofrido grandes alterações é a tributária.


                                                 Nosso sistema tributário, de um modo geral, tem sido alvo de constantes mudanças, algumas necessárias, outras nem tanto. A última mudança que sofremos de natureza constitucional veio através da Emenda Constitucional nº 55, de 20 de setembro de 2007. Tal emenda veio trazendo uma pequena alteração na repartição ou divisão da receitas tributárias.


                                                   Antes de adentrarmos propriamente na alteração sofrida no art. 159 da Constituição Federal de 1988 abortaremos de forma sintética o conceito de repartição de receitas tributárias, o conceito do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados para só então tratarmos da nova redação do art. 159 da Constituição Federal.


                                                    1. A repartição das receitas tributárias


Nem todos os tributos podem ser criados por todas as pessoas federativas. A União, os estados-membros, os municípios e o Distrito Federal possuem competências separadas para criação de seus tributos, as quais são definidas constitucionalmente. Essa divisão de competências para criação dos tributos não quer dizer que a pessoa que a criou é a única que irá receber a receita tributária proveniente da arrecadação dos tributos. A Constituição Federal, em seus arts. 157 a 162 estabelecem regras gerais para o que a doutrina denomina de repartição ou distribuição de receitas tributárias, também conhecida como federalismo cooperativo.


A repartição das receitas tributárias nada mais é do que a divisão do produto arrecadado por um tributo, o qual foi criado e cobrado por uma das pessoas componentes do Estado. Assim, por exemplo, a União é a pessoa componente do Estado para instituir e cobrar o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, entretanto, o produto arrecadado por este tributo será repartido com os estados-membros, municípios e o Distrito Federal.


2. O conceito do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados


O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é o tributo instituído pela União Federal com o objetivo de redistribuição de renda e proventos de qualquer natureza possuindo função visivelmente fiscal, sendo a principal fonte de receita tributária da União.


Para que possamos compreender melhor o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é necessário que definamos o que vem a ser renda e proventos de qualquer natureza.


Leciona, com grande precisão, o ilustre mestre Roque Antonio Carraza:


 


“... nos termos da Constituição Federal, renda e proventos de qualquer natureza, para fins de tributação específica, são acréscimos patrimoniais, verificados num dado período de tempo, que vão além do mínimo vital...” (Imposto sobre a Renda, 2.ed., Malheiros: 2006, p. 51).


 


Vemos, portanto, que o conceito de renda e proventos de qualquer natureza para o Direito é diferente do conceito atribuído pela Economia, uma vez que esta não leva em conta o mínimo vital, enquanto para o Direito seu conceito é imprescindível. Desse modo, não pode o legislador infraconstitucional estabelecer um conceito de renda e proventos de qualquer natureza de forma livre, sem levar em consideração o texto constitucional, o qual, baseado no direito a vida, a igualdade e a dignidade da pessoa humana acaba por excluir do conceito de renda e proventos de qualquer natureza os acréscimos patrimoniais necessários “à manutenção da personalidade digna e dos próprios mecanismos de produção de renda”, nas palavras do eminente Roque Antonio Carraza (Imposto sobre a Renda, 2.ed., Malheiros: 2006, p. 51).


Da mesma forma pensa o insigne mestre Hugo de Brito Machado:


 


“Em face das controvérsias a respeito do conceito de renda, há quem sustente que o legislador pode livremente fixar o que como tal se deva entender. Assim, porém, não nos parece que seja. Entender que o legislador é inteiramente livre para fixar o conceito de renda e de proventos importa deixar sem qualquer significação o preceito constitucional respectivo. A Constituição, ao atribuir competência tributária à União, alude a renda e a proventos. Assim, entender-se que o legislador ordinário pode conceituar, livremente, essas categorias implica admitir que esse legislador ordinário pode ampliar, ilimitadamente, essa atribuição de competências, e tal não se pode conceber em um sistema tributário como o brasileiro” (Curso de Direito Tributário, 27.ed., Malheiros: 2006, p. 328).


 


Para compreendermos o que é esse mínimo vital socorremo-nos, mais uma vez, da lição sempre segura do ilustre mestre Roque Antonio Carraza. In verbis:


 


“Nossa Constituição garante, às pessoas, condições mínimas de existência digna, côo se pode inferir da só leitura de seu art. 3º, III, que aponta como sendo um dos objetivos da República Federativa do Brasil ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’.


Isto exige não só uma ação positiva do Estado, para garantir a todos um padrão aceitável de subsistência, como a não-tributação do mínimo vital (ou mínimo existencial), a fim de que as pessoas tenham condições econômicas de desfrutar, pelo menos, dos progressos da Humanidade.


...


Logo, tudo o que está previsto, expressa ou implicitamente, na Lei Maior como integrante do chamado mínimo vital (ou mínimo existencial) não constitui nem renda, nem proventos.


É tarefa difícil precisar o que vem a ser mínimo vital. De qualquer modo, dá para entender que ele gravita em torno dos bens mais preciosos do ser humano: a vida, a saúde, a cultura – quer próprias, quer dos familiares e dependentes. Minudenciando a asserção, os valores monetários que garantem o direito à vida, à saúde, à educação, à moradia, ao lazer etc., do contribuinte ou de seus familiares e dependentes, não podem ser computados – mesmo que apenas em parte – para fins de determinação quer da renda, quer do proventos” (Imposto sobre a Renda, 2.ed., Malheiros: 2006, p. 51-52).


 


Assim, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza deve recair sobre os acréscimos patrimoniais que estão além do mínimo vital, com o objetivo de redistribuição da renda através da utilização do produto arrecado do tributo pelo Estado.


Por sua vez, o imposto sobre produtos industrializados é um tributo que apesar de inicialmente ter função extrafiscal, passou a ter função preponderantemente fiscal, uma vez que possui muita importância nos orçamentos da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, e que incide sobre produtos industrializados (produto que tenha sido submetido a qualquer tipo de operação em que haja modificação da suas natureza ou finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo).


3. A nova redação do art. 159 da Constituição Federal


O art. 159 da Constituição Federal estipula o valor que a União entregará aos estados, municípios e ao Distrito Federal de alguns tributos instituídos por ela. Faz parte desses tributos o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e o imposto sobre produtos industrializados, devidamente conceituados anteriormente. O art. 159, I, da CF/88, foi alterado para constar em vez de quarenta e sete por cento, o valor de quarenta e oito por cento (48%), aumentando-se em um por cento (1%) o valor a ser entregue dos citados impostos. A Emenda Constitucional nº 55 acrescentou a alínea ‘d’ ao inciso I do art. 159, da CF/88, que estabeleceu que este um por cento a mais a ser repartido será entregue ao Fundo de Participação dos Municípios nos primeiros dez dias do mês de dezembro de cada ano. Assim ficou a nova redação do art. 159, I e 159, I, d, da CF/88:


 


“Art. 159 ...


 


I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:


 


...


 


d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano”.


 


A modificação sofrida pelo art. 159 da Constituição Federal veio aumentar o percentual que será entregue aos municípios dos produtos da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados. Tal repartição será realizada através da entrega, pela União, da quantia equivalente a um por cento (1%) da arrecadação dos tributos citados, o qual será realizado nos primeiros dez dias do mês de dezembro de cada ano, através do Fundo de Participação dos Municípios. Desta forma, a Emenda Constitucional nº 55 amplia a repartição das receitas provenientes dos citados impostos, de modo a beneficiar os municípios, que passam, agora, a contar com mais recursos para investir em seus territórios. Trata-se de reivindicação antiga dos municípios, que a muito vinham requerendo uma participação maior no produto dos tributos arrecadados pela União.


Na verdade, como muito bem colocado pelo insigne mestre Hugo de Brito Machado, o sistema de repartição de receitas gera o inconveniente de conservar os estados, os municípios e o Distrito Federal na dependência do governo federal, uma vez que cabe a ele realizar a distribuição das receitas mais significativas (Curso de Direito Tributário, 27.ed., Malheiros: 2006, p. 55).


Estabelece, ainda, a Emenda Constitucional nº 55, uma norma de transição, estipulando que no exercício de 2007, para as alterações sofridas no art. 159, a repartição das receitas provenientes do produto de arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados será feita com o que for arrecadado a partir de 1º de setembro de 2007.


 


 


 


 


Vitória/ES, 30 de outubro de 2007.


 


 


Hugo de Figueiredo Moutinho


Advogado


Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Campos/RJ.




BIBLIOGRAFIA


 


BORBA, Cláudio. Direito Tributário. 18.ed. São Paulo: Campus, 2005.


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