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A inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança

A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA LEI DE BIOSSEGURANÇA

Por Hugo de Figueiredo Moutinho





Em março de 2005, o Brasil enfrentou pela primeira vez um dos temas mais espinhosos e controversos entre o que os cientistas afirmam e esperam e os religiosos e a ética condenam: a liberação das pesquisas com células-tronco.
Isso porque, as pesquisas com células-tronco embrionárias são as mais promissoras, pois possuem um alto poder de se tornar qualquer parte do corpo humano. Ocorre que para isso o embrião precisa ser destruído
A Lei nº 11.105/2005 em seu art. 5º trata das pesquisas com célula-tronco embrionárias, estabelecendo:

“Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”.

Os cientistas alegam que a vida termina quando o cérebro deixa de funcionar, portanto, quando as células nervosas não apresentam mais nenhuma atividade. Assim, como há a necessidade de células nervosas para que uma pessoa viva, a vida começa com o aparecimento da primeira célula nervosa, o que ocorre apenas com 14 dias. Antes disso, não há vida, segundo os cientistas.
Ensina o ilustre mestre Celso Antonio Pacheco Fiorillo que antes de podermos adentrar em qualquer lei que proteja a vida é preciso verificarmos qual o critério adotado por lei para definirmos quando juridicamente se inicia a vida. Leciona o referido mestre:

“Com efeito, a legislação brasileira adota critério específico no sentido de definir juridicamente quando a vida termina. Conforme indica o art. 3º da Lei n. 9.434/97 a morte encefálica é definida por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Referido Conselho, ao estabelecer que a morte encefálica seja caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis (próprios para determinadas faixas etárias), considera que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, ou seja, observada a parada total e irreversível das funções do cérebro, e por via de conseqüência das funções neurais, a vida termina (Resolução n. 1.480. de 8 de agosto de 1997).
Destarte, para a lei em vigor, a vida termina quando pára a atividade nervosa.
Se a vida humana termina quando pára a atividade nervosa, podemos concluir que a vida humana começa quando se inicia a atividade nervosa.
Daí ser possível afirmar, em face da legislação em vigor, que a vida humana inicia quando começa o sistema nervoso, a saber, a partir de 14 dias de gestação” (Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 7.ed., Saraiva: 2006, p. 218).

Em que pese a autoridade do citado autor, o fato é que tal interpretação está equivocada. A vida se inicia da concepção, ou seja, da união de um espermatozóide com um óvulo. A convenção de que a vida se inicia a partir da primeira célula nervosa é uma afirmação proveitosa para os cientistas, uma vez que a vida, segundo a minha crença, provém de Deus, e não o homem. Com a junção do espermatozóide e o óvulo, começa o desenvolvimento do novo ser, que vai culminar com o aparecimento da primeira célula nervosa em 14 dias ou até menos. Se não ocorrer um aborto involuntário ou alguma alteração genética, o que raramente ocorre, com o desenvolvimento normal em nove meses será dado à luz uma criança.
É sabido que todas as pessoas do mundo não comungam de uma mesma religião, ou que possuem crenças diferentes, bem como há ainda os que não acreditam em Deus. Ocorre que os maiores mistérios do universo não foram e nem serão respondidos pela ciência. Como surgiu a Terra, os planetas, as estrelas? Como surgiu a vida? Porque existem corpos com vida e outros sem vida?
Teorias como o Big Bang não elucidam as dúvidas, nem esclarecem os fatos, uma vez que não se consegue explicar de onde surgiu a matéria para o átomo inicial. As teorias biológicas também não conseguem explicar o surgimento da vida, uma vez que várias reações químicas ocorreram e ocorrem sem que a mesma surja.
Só a existência de uma força maior, criadora de tudo, pode explicar satisfatoriamente a questão. E não tenho dúvidas em afirmar que se trata do Deus todo poderoso. Não qualquer Deus, mas sim o único que existe, que é o Deus de Israel. Basta lembrar que o povo judeu é o único que está aí desde os primórdios da civilização, e sempre auxiliados por um força inexplicável. Todos os outros povos sucumbiram, menos o judeu, sendo que em várias oportunidades eles tinham tudo para serem destruídos, como o holocausto nazista. Fora que tudo que está escrito na Bíblia como profecia se concretizou ou está se concretizando. Só isto basta para demonstrar a existência do Deus de Israel.
Apenas ele pode criar a vida. E, no caso específico do homem, só ele sabe quando um espermatozóide e um óvulo darão origem a um ser humano ou não. O homem, em hipótese nenhuma pode fazer isso. Assim, a destruição de um embrião é o mesmo que a prática de um homicídio ou um aborto.
Claro que existem pessoas que por não acreditar em Deus ou terem outra crença podem não compartilhar deste entendimento. Entretanto, isso não é o bastante para desqualificar a tese de que o homem não tem o poder de predizer quando um embrião irá se desenvolver perfeitamente ou não. A vida é um processo que se inicia com a concepção (a junção do óvulo com o espermatozóide) e não com o surgimento da primeira célula nervosa.
Afora as próprias normas divinas, também as normas terrestres são afrontadas com a edição da presente lei, desrespeitando o direito à vida.
A vida é a manifestação máxima do direito de uma pessoa, traduzido no direito a própria existência.
A vida, além disso, é um direito fundamental do homem, sendo protegido no artigo 5o da Constituição Federal de 1988, in verbis:

“Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Segundo o renomado constitucionalista José Afonso da Silva:

“Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar a matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 23.ed., 2004, p.196).

Ora, se o embrião apresenta vida desde a sua concepção, então a norma que permite a sua destruição é inconstitucional, porque a afronta um dos direitos fundamentais do homem, não podendo ser aplicada, por ferir um dos postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito, sob pena de transformar em letra morta nossa lei maior.
Conforme afirma o francês Jacques Robert:

“O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores idéias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não-aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como um ser humano” (tradução nossa). (Libertes Publiques, Paris, Éditions Monchréstien, 1971, p. 234).

Tão importante é o direito à vida que o direito penal o tutela de forma bem abrangente, sendo o primeiro objeto jurídico protegido pelo Código Penal (art. 121 e seguintes). No caso específico do ser em desenvolvimento na barriga da mãe o direito penal protege o seu direito a vida através do crime de aborto (art. 124 à 128, do Código Penal).
Assim, o art. 5º da Lei nº 11.105/2005, o qual permite as pesquisas com células-tronco, não pode ser aplicado, em que pese às opiniões em contrário, por contrariar o direito à vida garantido constitucionalmente. Tal dispositivo, portanto, é inconstitucional, por contrariar de forma expressa nossa Magna Carta.



Vitória/ES, 29 de novembro de 2007.


Hugo de Figueiredo Moutinho
Advogado
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Campos/RJ.


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